Peregrinações

Tristemente embarcados
Com rumo sem rota
Velejando no ar
Com grande medo levados
Em formosa frota
De casco a abanar
Rebentam as ondas gigantes
Coisas alucinantes
Quebra-mar quebra-mar
Uma prece na garganta
Nossa senhora santa
Almiranta
A vomitar a vomitar
Procurando novos mercados
Em nome de deus
Vai el-rei engordar
Como por nossos pecados
Desatinados às cegas
No escuro do mar
Salta um mostrengo barbudo
C'o peito peludo
A arrotar a arrotar
Nós senhores do barlavento
Ao leme gemendo
Tremendo
Ai! quem soubera nadar

E com a pressa que podíamos
Nós fizemos de volta
Esquecendo mercês
Se à vista daquilo que víamos
Nos tremiam as carnes
Nos dava a gaguez
Ao serviço de deus nosso senhor
Regressa assim teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança

Mas o avarento agiota
Depressa nos manda
De novo embarcar
Banqueteados com muitos açoites
Ao longo da costa
Quem se há-de salvar
Tragam pimenta
A fazenda
A prata sangrenta
A rezar a rezar
Metam o turco a tormento
Fede a mafamede
Que fale
Onde fica o bazar
E assim fomos de atropelo
Sobre gente que não tinha
Em boa conta
O nosso apogeu
Nos merecia a latina cólera
Por zelo
Da honra de deus
Vivos lançados ao mar
Com um grande penedo
Ao pescoço
A afundar
Ouvem-se as gritas
Apupos
Dos turcos malucos
Eunucos
A atacar a atacar

E foram tantas as pedras
Os zargunchos as lanças
E as chuças
De arremesso sobre nós
Que fugíamos assaz
Com a pressa que podíamos
Depois de tanto pelejar
Ao serviçp de el-rei
Nosso senhor
Regressa assim teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança

Foi-se o tempo passando
Da nau ao paquete
Lá vai portugal
Leva gente do arado
Peões e joguetes
Em calção colonial
Negro trabalha canalha
Que a tua mortalha
É este ultramar
Colhe matumbo o café
Que a gente tem fé
Chimpanzé
De lucrar e lucrar
Fomos misturando guitarras
Ao som do batuque
Bebendo maruvo
E num sentimento bizarro
Casando com a negra
Depois de viúvo
Estoira uma força gigante
Vermelha negra vibrante
A lutar a queimar
Liberta um povo oprimido
E perde o diamante
Purgante
Quem nos andou a mandar
E desmanchámos as casas
Tornámos de volta
Pobres numa muleta
Balbuciando estranhas palavras
Aka! que maka!!
Acabou-se a teta ao serviço de grandes senhores
Regressa de vez teu esposo
Neste vento bonançoso
Meu lindo e ditoso amor
Confiado nesta promessa
Enganado nesta esperança

Trivia about the song Peregrinações by Fausto Bordalo Dias

When was the song “Peregrinações” released by Fausto Bordalo Dias?
The song Peregrinações was released in 1979, on the album “Histórias de Viageiros”.

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