Pronto Para Morrer (O Poder de Uma Mentira Dita Mil Vezes)
Eu sou um homem, não um menino
certas coisas eu não admito
carrego um desejo de vingança reprimido
Desde que na minha casa entrou um estranho
que encostou uma arma pro meu crânio
e eu nada pude fazer
a não ser me ver balbuciando
febrilmente, implorando:
"eu não estou pronto pra morrer"
Cada um tem que enfrentar o seu carma
pagar por uma escolha errada
comigo não é diferente
Minha baixa escolaridade
é um espetáculo à parte
eu sei que pode te entreter
já que você vê comicidade
em tanta desigualdade
o que, pra mim, é novidade
mas eu evito esse debate
pois seguiremos nesse impasse
mesmo depois que eu morrer
Toda cidade tem a sua aberração
uma criatura habituada à humilhação
para quem não existe chance de redenção
Eu me lembro de um aspirante a padre
que aos quinze anos de idade
teve que se defender
de uma afronta à sua masculinidade
que nem sequer era verdade
ou, se era, era só em parte
de resto, era só maldade
mas não houve quem não acreditasse
Então, segundo me contou Linari,
logo ocorreu um embate
quando numa certa tarde
de porta em porta, o coroinha bate
e anuncia com voz grave
se fazendo ouvir, sem muito alarde:
"estejam prontos para morrer"
Nem é preciso comentar
eu me contento em ressaltar
o poder de uma mentira dita mil vezes
O desespero me invade
um choro em meu rosto arde
mas eu não posso me deixar abater
mesmo com o coração partido
amargamente desiludido
eu preservo a gana de vencer
Me esconde onde não me achem
onde qualquer ruído se abafe
não me deixa enlouquecer
Me beija com vontade,
me demonstra lealdade
para mim, isso é o que vale
E se esse amor for de verdade,
eu estarei pronto para morrer.