Milonga Pra Don Mulato
Sempre que as cordas dedilho para empeçar um relato
Me lembro de Dom Mulato, puro cerne de espinilho
Uma estampa de caudilho, sábio de tanto andejar
E uma luz a iluminar sua vida nos rigores
Poeira de mil corredores, era o Alípio Escobar
E, assim, seguia tropeando, cruzando num pampa e n'outro
Com botas garrão de potro e as chilenas tilintando
E quando ia descambando, rompendo a noite ao seguir
Com um palheiro a luzir, mascando légua ao tranquito
Era um centauro solito, bombeando a pátria dormir
Ser tropeiro era destino que trouxe como um sinal
Correr boi no banhadal deste Rio Grande teatino
Num aparte, era ladino c'o aquele pala reiúno
Encostava o seu lobuno e dando de mão na cola
Ia pechando pachola nas paletas de um turuno
Nas rondas do descampado, rondando luas vaqueanas
Cantava toadas pampeanas de cima do seu bragado
Gauchão e entonado, dempre proseando c'o a tropa
Quando a pátria se ensopa na sua vivência campeira
Rondar uma tropa ligeira não é pra qualquer oropa
E quase no fim da vida, o tempo envelhece tudo
Foi domando colmilhudos, pingaços pra toda a lida
Com maestria e medida, seguiu cultuando sua fé
E num pingo pangaré, último olhar deste lado
Morreu só e abandonado na vila do Bororé
Com este tento, eu remato esta presilha altaneira
Com a milonga campeira, chego ao fim do meu relato
E assim, cantei Dom Mulato, sem pedir aplauso ou palma
E na sua tumba calma, ajoelha esta prece crua
Com uma saudade charrua engarupada na alma