O Cristão Incrível
Em busca de pão
Peregrinos de todas as partes tem cruzado a história
Gente trôpega, vacilante
Insatisfeitos com sua própria condição
Pessoas pelas quais verdadeiros muros de pedra
Foram erguidos diante de seus pés
Impedindo-os de sequer sonhar
A chance de uma vida leve, fluída
Aquele que está doente em fase terminal
Busca pão que lhe possa sanar tal realidade inevitável da morte
Aquela outra cresceu ouvindo ser feia
E sentindo-se esmagada pelo padrão estético
Minguado de uma sociedade mesquinha
Ela busca pão que lhe faça se sentir finalmente aceita
O senhor de cabelos brancos adiante sabe o que é perder
E já nem se lembra mais qual foi o último jantar em família
Com as próprias mãos transformou em pó
Tudo que mais amava e todos os que mais precisava ter ao lado
Ele sabe o que é chorar e busca pão
Que lhe traga de volta o riso dos amigos à mesa
E o aroma da família por perto
Mais adiante tem ela
Dormindo o sono dos desajustados
Sem dar ouvidos à razão
Sonhando com um mundo que não lhe chamem de João
Nem lhe virem as costas na calçada
Busca pão que lhe faça sentir-se pela primeira vez
Em harmonia com seu próprio corpo
Enquanto olham para si mesmos e suas infindas dores
Processos e crises
Nada veem além de abismos
Paredes de pedra e silêncio
Mas então
Um vento fresco de brisa leve
Soprou-lhes gentilmente ao ouvido e olharam pra trás
O único lugar que não haviam procurado, atrás
E lá estava a história que é maior do que si mesmos
Acharam o contexto, o enorme
O anterior, o que veio antes
Por um milésimo de segundos
Sentiram-se mais extensos
Do que sua própria existência singular
Como se fizessem parte de um todo
Um roteiro que lhes contam a jornada
Não de si mesmos e de seus fracassos
Mas de Deus e seu triunfo
De um povo inteiro criado pra sua glória
Caídos pelos seus pecados
E erguidos pelos méritos do filho amado
Eles olharam pra trás
E lá estavam o pão que tanto sonhavam
A pergunta finalmente respondida
Um enigma explicado
Naquela história única chamada de precioso evangelho de Cristo
Virou seu próprio rosto na imagem
Do homem ensanguentado e esmagado no madeiro
Morreram com ele e sepultaram seus corações naquela tumba escura
De uma forma que não conseguem definir completamente
Viram-se ao terceiro dia ressurretos em triunfo junto com ele
Que dia perfeito
Nas águas, diante dos que com eles olharam pra trás
Deixaram-se lavar de uma vida sem a glória desse precioso evangelho
Na mesa, acharam finalmente o pão e beberam do vinho
Abraços, sorrisos, gentileza e afeto
Encheram de púrpura e brilho toda aquela casa
Mas, então
Olharam pra si
Aquele que sentia dores na carne ainda estava sofrendo
Nada mudou do lado de fora
A moça que se sentia feia olhando no espelho
O viu ainda a mesma imagem e uma vez mais chorou
O senhor de cabelos brancos continua assentando-se só
No mesmo banco de praça em cada pôr-do-Sol
E aquela outra ainda sente as dores
Por não ser como gostaria
Nem ter a complacência
Dos que passam por ela na calçada
A dor ainda dói
A lágrima ainda cai
E o pão da mesa que antes parecia fartura
Mostrou-se migalha, apenas migalhas
Um pequeno feixe de luz feito estrela cadente
Cruzando a negridão do céu
Todas as vezes que eles estão juntos
A dor parece não existir de verdade
Comem outra vez do pão, a migalha de pão presente na mesa
Sorriem levemente com mais esse feixe de luz
Que cruza a negridão da existência mas voltam
Ele volta pros remédios
Ela volta pro complexo
O outro volta pra solidão
E aquela volta pro desajuste
Como continua?
O que foi que perdemos ao longa dessa narrativa
Que não nos permite compreender tal fim?
Onde está a peça que falta pra preencher a lacuna final?
O precioso evangelho de Cristo
Não se ocupa exclusivamente com que se vê
Antes é a janela que se abre pra além do que se vê com os olhos
A fé exercida no filho bendito de Deus
Não é pra o agora mas para o sempre
O agora perde seu significado exagerado
E resume-se à esperança do que virá
O que vejo não é mais o que me sustenta
O que não vejo torna-se a âncora da vida
Ele ainda toma os seus remédios e a dor ainda lhe faz chorar
Mas veja
Há um riso leve no canto de sua boca
Ela ainda vê no espelho a imagem esmagada
De alguém insuficiente pros padrões da sociedade
Mas veja
Pôs um laço na cabeça e saiu pra dançar
Ele ainda sente saudade dos que afastou de si mesmo
Mas perceba
Tem um garoto sentado ao seu lado ouvindo suas histórias
Ela ainda sente-se desajustada no agora
Mas olhe de perto
Na íris de seus olhos está a verdade de quem ela é
E no fundo de sua alma se esconde a viva esperança
De que embora ainda não seja amanhã
Logo cedo muito em breve acordará
Pra plenitude da vida que há de vir
E lá será exatamente o que tem de ser
Será exclusivamente o que deve ser
Conheçam esses incríveis cristãos
Eles caminham equilibrando-se com graça
Na atenção entre o já e o ainda não
Já estão salvos
E ainda sim aguardam a salvação
Já estão santificados à imagem de Cristo
Mas esmurram a carne diariamente
Aguardando a glorificação de seus membros
Já estão lá no alto assentados
Majestosamente ao lado de seu Senhor
Mas ainda caminham humildemente
Com farrapos de roupas terrestres
Já desfrutam das migalhas do banquete
Mas aguardam pelo dia em que se fartarão
Eternamente nas bodas do cordeiro
Eles temem a Deus
Mas já não tem mais medo dele
Sentem-se dominados e perdidos diante da grandeza da sua justiça
Mas não existe presença que lhes deem maior alegria que esta mesma
Eles sabem que foram purificados de suas faltas e pecados
Mas sentem-se penosamente culpo
De que nada bom habita em sua carne
Eles amam profundamente alguém a quem nunca viram
Embora sendo pobres sentem-se
À vontade para conversar
Com aquele é o Rei de todos os reis
E Senhor de todos os senhores
Embora sendo eles cidadãos do céu
Amam essa terra e os seus limites
Caminham proclamando o que há de beleza aqu
I e anunciando de onde vem toda a beleza dos homens
Quando olham pra cruz são pessimistas
Pois sabem que o mesmo juízo que caiu sobre o Senhor da Glória
Condena nesse ato único toda natureza e todo mundo dos homens
Rejeitam qualquer esperança humana fora de Cristo
Pois sabem que o mais nobre esforço dos homens
Não passa de pó edificado sobre pó
Todavia
Se a cruz condena o mundo
A ressureição de Cristo garante o triunfo final do bem em todo universo
Através de Cristo tudo acabará bem
E o Cristão aguarda tal consumação
Ah, que cristão incrível
Embora havendo ainda dor e lágrimas
Já não há mais lamento e desespero
A esperança é a questão que os carrega até o fim
Caminham em insistente transformação daquilo que são
Naquilo que deveriam ser
Nesse constante devir insistem em dizer
Nós um dia o veremos face a face
E o conheceremos como somos conhecidos
Nós um dia o veremos face a face
E o conheceremos como somos conhecidos