Eu

Paulo Tatit

Perguntei pra minha mãe
Mãe, onde é que você nasceu?
Ela então me respondeu
Que nasceu em Curitiba

Mas que sua mãe que é minha avó
Era filha de um gaúcho
Que gostava de churrasco
E andava de bombacha
E trabalhava num rancho
E um dia bem cedinho
Foi caçar atrás do morro
Quando ouviu alguém gritando
Socorro, socorro!

Era uma voz de mulher
Então o meu bisavô
Um gaúcho destemido
Foi correndo galopando
Imaginando o inimigo
E chegando no ranchinho

Já entrou de supetão
Derrubando tudo em volta
Com o seu facão na mão
Para o alívio da donzela
Que apontava estupefata

Para um saco de batata
Onde havia uma barata
E ele então se apaixonou
E marcaram casamento

Com churrasco e chimarrão
E tiveram seus três filhos
Minha avó e seus irmãos
E eu fico imaginando
Fico mesmo intrigado

Se não fosse uma barata
Ninguém teria gritado
Meu bisavô nada ouviria
E seguiria na caçada
Eu não teria bisavô, bisavó, avô, avó, pai, mãe
Eu não teria nada
Nem sequer existiria

Perguntei para meu pai
Pai, onde é que você nasceu?
Ele então me respondeu
Que nasceu lá em Recife
Mas seu pai que é meu avô
Era filho de um baiano
Que viajava no sertão
E vendia coisas como
Roupa, panela e sabão
E que um dia foi caçado

Pelo bando do Lampião
Que achava que ele era
Da polícia, um espião
E se fez a confusão
E amarraram ele num pau

Pra matar depois do almoço
E ele então desesperado
Gritava: Socorro
E uma moça apareceu
Bem no último instante
E gritou para aquele bando
Esse rapaz é comerciante

E com muita habilidade
Ela desfêz a confusão
E ele então deu-lhe um presente
Um vestido de algodão
E ela então se apaixonou

Se aquela moça esperta
Não tivesse ali passado
Ou se não se apaixonasse
Por aquele condenado
Eu não teria bisavô
Nem bisavó nem avô
Nem avó nem pai

Pra casar com minha mãe
Então eu não contaria
Esta história familiar
Pois eu nem existiria
Pra poder cantar
Nem pra tocar o violão

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