A Mãe, o Filho e As Grades

Desculpe por não ser aquele que você queria
Desculpe por me esconder na minha covardia
A vida me deu tudo que eu precisava
Seu amor, seu carinho, e o mundo trouxe as ciladas

Sei que dos seus sonhos, eu não fui nem a metade
Eu sei, você não sonhou com um filho atrás das grades
Não tenho nada pra te dar nesse momento
A surpresa é ruim, infelizmente, eu lamento

Lembrei da senhora com as algemas no meu pulso
Os homi me insultando, chamando de vagabundo
Eu lembrei que você me chamava de príncipe
Meu castelo caiu, condenado a mais de 20

Mãe, por favor, não chore na minha frente
Pior do que as correntes, te ver triste é deprimente
Você se lembra? O dia em você me disse?
Orou por mim na madrugada, teve um palpite

Pois é, naquela noite pediram
Mas a morte, ao invés de foice, veio com rajadas
Sua oração me guardou como na infância
Que me pegava no colo, indefesa criança

Eu queria que hoje fosse a minha formatura
Com diploma, ver seu sorriso nas alturas
Infelizmente aqui não é faculdade
Entre eu e você, agora existe uma grade

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

Eu imagino que o pai tá morrendo de vergonha
Um homem trabalhador que não aceita essas desonras
Mas diz pra ele que eu o amo de coração
Que preso ou liberto, sempre serei seu filhão

Eu enganei vocês, iludi, menti
Tudo que eu não queria era te ver por aqui
Mas a vida vem cobrar as falhas que são dadas
O que se planta é o que se colhe
Me lembro das suas palavras

Quem me dera ter tomado um rumo diferente
Estudado, me formado ou, se pá, virado crente
Sei que sempre foi isso que você quis
Desculpe por falhar e te fazer tão infeliz

Meus sonhos sempre foram diferentes dos seus
Me iludi, quis viver o que Deus não me deu
Tenho saudades de momentos mágicos
Deitado no seu colo, às três da tarde, no sábado

Meu sábado aqui, mãe, é diferente
É como se estivesse vivendo em guerra sempre
Eu nem consigo te olhar nos olhos
Sinto vergonha, arrependimento, remorso

Não o que mudou em você quanto a mim
Sua criança é um monstro segundo o boletim
Mas anos e anos de pena irão servir
Pra pensar num modo de te fazer feliz

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

Eu te confesso, minha esperança acabou
Tudo que eu construí pra você desmoronou
Não sei aonde errei, se falhei, não sei
Tudo que eu queria era te fazer um rei

Mas te olhando nos olhos, consigo ver
Minha criança, meu menino, o meu bebê
Filho, ainda vou fazer tudo o que posso
Domingo na visita você ainda terá colo

Coração de mãe não muda, menino
Com grade ou sem grade, você é o meu filho
Sempre pensei que guardava com abraço
Agora vi que é impossível nesse caso

Desculpa, mãe, por não conter as lágrimas
Meu coração de pedra foi esmagado por suas palavras
É estranho, o bandido aqui chora
Não na frente de uma Glock, mas sim de uma senhora

Mãe, embaçou, nosso tempo tá acabando
Os guardas tão olhando e logo tão me chamando
Mas, mãe, por favor, te peço, não se esqueça
Seu filho te ama, mesmo que aqui ele apodreça

Pense em mim como o seu menino lindo
Que brincava no quintal e que tava sempre sorrindo
Esqueça o que viu hoje, apague da sua história
Não é assim que quero aparecer na sua memória

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

Não foi pra isso que eu te criei (eu sei)
Não foi pra isso que eu chorei (eu sei)
Não foi por isso que eu orei (eu sei)
Não com isso que eu sonhei

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